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O APELO DE PARIS
Declaração internacional sobre os perigos sanitários da poluição química

Preâmbulo

Lembrando que, segundo a constituição da organização Mundial de Saúde (OMS) de 7 de Abril de 1948, a saúde é um « estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consiste apenas numa ausência de doença ou de enfermidade »;

Lembrando a ligação aos princípios universais dos Direitos do Homem, afirmados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948 e os dois pactos internacionais das Nações Unidas, relativos aos direitos económicos, sociais e culturais e em particular, o seu artigo 12.1, que reconhece, para todos os seres humanos, o direito de gozar do melhor estado de saúde física e mental, possível.

Lembrando que a conferência das Nações Unidas sobre o ambiente, afirmou na Declaração de Estocolmo de 16 de Junho de 1972, que o homem tem um direito fundamental á liberdade, á igualdade e ás condições de vida satisfatórias, num meio ambiente em que a qualidade lhe permita viver com a dignidade e o bem-estar e que o direito á própria vida faz parte dos direitos fundamentais;

Lembrando que a Declaração de Haia, de 11 de Março de 1989, sobre o meio ambiente, assinada por 24 países, confirmou que não se trata apenas do dever fundamental de preservar o eco-sistema, mas também do direito de viver dignamente, num meio ambiente global viável e do dever para a comunidade das nações, em relação ás gerações presentes e futuras, de concretizar todas as iniciativas possíveis para fazer preservar a qualidade da atmosfera;

Lembrando que a Convenção relativa aos Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989, impõe aos Estados, no seu artigo 6º a obrigatoriedade de reconhecer que « cada criança tem um direito inerente á vida » e de garantir « na medida do possível a sobrevivência e o desenvolvimento da criança », e no seu artigo 24 de reconhecer « o direito da criança de gozar do melhor estado de saúde possível », e de tomar « as medidas apropriadas para (…) lutar contra a doença (…) tendo em conta os perigos e os riscos da poluição do meio natural »;

Lembrando que a Carta Europeia sobre o Meio Ambiente e a Saúde, aprovada em Frankfurt, a 8 de Dezembro de 1989, afirma que cada pessoa tem o direito de beneficiar de um Meio Ambiente que lhe permita atingir a realização do nível mais elevado possível no que se refere á saúde e ao bem-estar;

Lembrando que a Convenção sobre a Diversidade Biológica de 5 de Junho de 1992, prevê no seu preâmbulo que « quando existe uma ameaça de redução sensível ou de perda da diversidade biológica, a ausência de certezas científicas totais, não deve ser invocada como razão para diferir as medidas que permitiriam de evitar o perigo e de atenuar os efeitos »;

Lembrando que a Declaração do Rio de Janeiro, sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 13 de Junho de 1992 prevê, no seu primeiro princípio, que os seres humanos estão no centro das preocupações, no que se refere ao desenvolvimento sustentado e que eles tem direito a uma vida sã e produtiva, em harmonia com a Natureza e, no seu 15º princípio, que « para proteger o Meio Ambiente, MEDIDAS DE PRECAUÇÃO devem ser largamente aplicadas pelos Estados, segundo as suas capacidades. Em caso de prejuízos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta, não deve servir de pretexto para atrasar a adopção de medidas efectivas, tendo como objectivo a prevenção da degradação do Meio Ambiente;

Lembrando que os Estados que fazem parte da Convenção OSPAR para a Protecção do Atlântico Nord-Este de 22 de Setembro 1992 devem, segundo o artigo 2º do Anexo 5 tomar « as medidas necessárias à protecção da zona marítima, contra os efeitos prejudiciais das actividades humanas, de forma que possa ser salvaguardada a saúde do homem.. » com o objectivo de por fim aos despejos, emissões e perdas de substâncias perigosas no meio ambiente marinho até ao ano 2020;

Lembrando que o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia prevê, no seu artigo 174º, relativo ao Meio Ambiente, que a política da Comunidade, no domínio do Meio Ambiente, contribui para o prosseguimento dos seguintes objectivos: a preservação, a produção e a melhoria da qualidade do Meio Ambiente, a protecção da saúde dos seres humanos, a utilização prudente e racional das reservas naturais, a promoção sobre o plano internacional das medidas destinadas a fazer frente aos problemas regionais ou planetários do Meio Ambiente. No seu parágrafo 2, este artigo prevê que a política da Comunidade, no domínio do ,Meio Ambiente é fundada sobre os princípios de precaução e de acção preventiva, sobre o princípio da correcção, com prioridade para as fontes causais das agressões ao Meio Ambiente e sobre o princípio do poluidor-pagador;

Lembrando que o Protocolo de Cartagena, sobre a Prevenção dos Riscos Bio-tecnológicos relativos á Convenção Sobre a Diversidade Biológica de 29 de Janeiro de 2000, reafirma no seu preâmbulo e no seu artigo 1º o Princípio de Precaução, consagrado pelo Princípio 15º da Declaração do Rio em consideração dos riscos para a saúde humana;

Lembrando que a Convenção de Estocolmo, de 22 de Maio de 2001, reconhece que « os poluentes orgânicos persistentes possuem propriedades tóxicas, resistem á degradação, acumulam-se nos organismos vivos e são propagados pelo ar, a água e as espécies migratórias e refere no seu artigo 1º que o objectivo é proteger a saúde humana e o Meio Ambiente dos poluentes orgânicos persistentes;

Lembrando que a Declaração de Joanesburgo sobre o Desenvolvimento Sustentado, de 4 de Setembro de 2002, originou o empobrecimento da Diversidade Biológica, a desertificação, os efeitos prejudiciais da alteração climática, a frequência acrescida das catástrofes naturais devastadoras, a poluição do ar, da água e do meio marinho;

Considerações científicas

1 – Considerando que a situação sanitária se degrada em todo o mundo; que esta degradação, embora de natureza diferente, abrange tanto os países pobres como os países ricos;

2 – Considerando que o desenvolvimento das doenças crónicas recenseadas pela OMS, em particular dos cancros; que a incidência global dos cancros aumenta em todo o mundo; que no que se refere aos países fortemente industrializados, a incidência dos cancros é globalmente crescente, desde 1950; que os cancros atingem o ser humano em todas as idades, tanto as pessoas idosas como os mais jovens; que a poluição química, cuja amplitude exacta é ainda subestimada, mas que poderia contribuir numa percentagem importante;

3 – Considerando que a exposição a certas substâncias ou produtos químicos, provoca um aumento do número de certas malformações congénitas;

4 – Considerando que a esterilidade, em particular a masculina, que ela seja ou não a consequência de malformações congénitas ou ligadas a uma diminuição da qualidade e/ou da concentração em espermatozóides no esperma humano, está a aumentar, notavelmente nas regiões fortemente industrializadas; Que hoje na Europa, 15 % dos casais são estéreis; que a poluição química pode ser uma das causas de esterilidade;

5 – Constatando que o Homem é hoje exposto a uma poluição química difusa, ocasionada por múltiplas substâncias ou produtos químicos; que esta poluição tem efeitos sobre a saúde do Homem; que esses efeitos são muito frequentemente a consequência de uma regulamentação insuficiente no que se refere á comercialização dos produtos químicos e de gestão insuficientemente dominada das actividades económicas de produção, de consumo e de eliminação desses produtos;

6 – Constatando que essas substâncias ou produtos são cada vez mais numerosos: Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos (HAP), derivados organo-halogenados entre os quais se incluem as dioxinas e os PCB, amianto metais tóxicos, entre os quais os qualificados de metais pesados como: o chumbo, mercúrio, cádmio, pesticidas, aditivos alimentares e outros, etc.; que certos desses produtos são pouco ou nada biodegradáveis e persistem no Meio Ambiente; que um grande número desses produtos contaminam a atmosfera, a água, o solo, e a cadeia alimentar; que o Homem está permanentemente exposto a substâncias ou produtos tóxicos persistentes (POPS); que certas dessas substâncias ou produtos se acumulam nos organismos vivos, incluindo no corpo humano;

7 – Considerando que a maior parte dessas substâncias ou produtos são actualmente, colocados no mercado sem terem sido objecto de estudos toxicológicos, suficientemente credíveis, no que se refere aos seus riscos para o homem;

8 – Considerando que essas numerosas substâncias ou produtos químicos contaminam de forma difusa o Meio Ambiente; que elas podem inter-agir umas com as outras e exercer efeitos tóxicos adicionais e/ou sinérgicos nos organismos vivos; assim tornou-se extremamente difícil de estabelecer um plano epidemiológico, a prova absoluta de uma ligação directa entre a exposição a uma e/ou a outra dessas substâncias ou produtos e o desenvolvimento das doenças;

9 – Considerando que no plano toxicológico um certo número dessas substâncias ou produtos químicos são perturbadores hormonais, que eles podem ser cancerígenos, mutágenos ou répro-tóxicos (CMR) no homem, o que significa que eles são susceptíveis de provocar o aparecimento de cancros, malformações congénitas e/ou esterilidades; que algumas dessas substâncias ou produtos podem também ser alergenos, provocando ou favorecendo doenças respiratórias, tais que a asma; que alguns deles são neuro-tóxicos, provocando doenças degenerativas do sistema nervoso no adulto e uma baixa do quociente intelectual na criança; que alguns são imuno-tóxicos, causando deficiências imunitárias, em particular na criança, e que essas deficiências imunitárias são geradoras de infecções, particularmente virais; que os pesticidas utilizados (espalhados) voluntariamente em grande quantidade, no Meio Ambiente, mesmo sabendo-se que um grande número deles são poluentes químicos tóxicos para o animal e/ou para o homem e o Meio Ambiente;

10 – Considerando que as crianças são as mais vulneráveis e as mais expostas á contaminação desses poluentes; que um grande número dessas substâncias ou produtos tóxicos atravessam a barreira placentária e contaminam o embrião; que eles se encontram no tecido gorduroso e se podem encontrar, também, no leite das mães que amamentam; que o corpo da criança corre o risco de ser contaminado desde a nascença; que a criança pode ainda ingerir essas substâncias ou produtos e/ou inalar um ar poluído por elas, em particular no seu habitat;

11 – Considerando que essas substâncias ou produtos poluentes podem induzir, na criança, certas doenças entre outras as citadas no parágrafo 9; que em particular, uma criança sobre sete, na Europa é asmática, possivelmente devido á poluição das vilas e das habitações; que a incidência de cancros pediátricos tem aumentado e continua a aumentar nos últimos vinte anos, em certos países industrializados; E que como resultado destas considerações a criança está hoje em perigo;

12 – Considerando que o Homem é um mamífero consubstancial á flora e á fauna do Meio Ambiente; que ele está na origem do desaparecimento de vários milhares de espécies, cada ano; que toda a destruição ou poluição irreversível da flora e da fauna, põe em perigo a sua própria existência;

13 – Considerando que a declaração de Wingspread de 28 de Julho de 1991 assinada por 22 científicos norte-americanos, estabelece uma ligação entre o desaparecimento de espécies animais selvagens ou domésticas e a contaminação do Meio Ambiente por alguns desses produtos químicos; que o Homem está exposto aos mesmos produtos que as espécies animais selvagens ou domésticas; que esses produtos provocam nessas espécies animais, doenças (malformações congénitas, esterilidades), tendo provocado o seu desaparecimento e que essas doenças são comparáveis àquelas que observamos hoje no Homem;

14 – Considerando que a poluição química sob todas as formas tornou-se numa das causas dos flagelos humanos actuais, tais que cancros, esterilidades, doenças congénitas, etc.; que a medicina contemporânea não as consegue erradicar; que, mesmo tendo em conta os progressos das pesquisas médicas, ela corre o risco de não as poder erradicar;

15 – Considerando que a poluição por emissão de gazes (com efeito de estufa) provoca incontestavelmente uma agravação do aquecimento planetário e uma desestabilização climática; que segundo as previsões científicas as menos pessimistas, em 2100 a temperatura média da terra corre o risco de aumentar 3 graus centígrados; que este aumento de temperatura será susceptível de favorecer a proliferação dos vírus, bactérias, parasitas e vectores desses agentes infecciosos; que por conseguinte, a extensão do seu nicho ecológico, do Emisfério Sul ao Emisfério Norte será susceptível de originar propagação das doenças induzidas por eles, e o reaparecimento nos países do Norte, de doenças infecciosas e/ou parasitárias -parcialmente erradicadas no século passado- ou mesmo o aparecimento de novas doenças;

Declaração

Nós, científicos, médicos, juristas, humanistas, cidadãos, convictos da urgência e da gravidade da situação, declaramos que,

Artigo 1: o desenvolvimento de numerosas doenças actuais é uma consequência da degradação do Meio Ambiente.

Artigo 2: a poluição química constitui uma ameaça grave para a criança e para a sobrevivência do Homem.

Artigo 3: o facto de a nossa saúde, a dos nossos filhos e a das gerações futuras, estar en risco coloca a  própria espécie humana em perigo.

Nós, apelamos aos decisores políticos nacionais, ás instâncias europeias, aos organismos internacionais e em particular á Organização das Nações Unidas (ONU), para que tomem as medidas necessárias em consequência, e em particular:

Medida 1:  proibir a utilização dos produtos cujo carácter cancerígeno, mutágeno ou repro-tóxico (CMR) é certo ou provável no Homem, conforme ao definido pelas instâncias ou organismos científicos internacionais competentes, e aplicar-lhes o princípio de substituição; excepcionalmente, quando a aplicação desse princípio for impossível e que a utilização de um produto determinado é considerada indispensável, reduzir o seu uso ao mínimo possível, acompanhado de medidas de contingência com alvo próprio e extremamente rigorosas.

Medida 2:  aplicar o princípio de precaução no que se refere o todos os produtos químicos, para os quais, devido ao seu carácter  tóxico diferente do que é definido na medida 1 (e em considerações científicas, 9 e 13), ou do seu carácter persistente, bio-acumulável e tóxico (PBT), ou muito persistente e muito bio-acumulável (vPvB), conforme são definidos internacionalmente, existe um perigo considerado grave e/ou irreversível para a saúde animal e/ou humana e de modo geral para o meio ambiente, sem esperar a prova formal de uma relação epidemiológica, a fim de prevenir e de evitar os prejuízos sanitários ou ecológicos graves e/ou irreversíveis.

Medida 3: promover a criação de normas toxicológicas ou de valores-limite internacionais, para a proteção das pessoas, baseadas numa avaliação dos riscos que correm os indivíduos mais vulneráveis, mais concretamente as crianças, e mesmo o embrião.

Medida 4: em aplicação do princípio de precaução, adoptar planos com prazo prolongado e objectivos com resultado calculado em números, a fim de obter a supressão ou a redução rigorosamente regulamentada da emissão de substâncias poluentes tóxicas e da utilização de produtos químicos disponíveis no mercado, tais que os pesticidas, no modelo de redução de utilização da Suécia, da Dinamarca ou da Noruega.

Medida 5: devido ás ameaças graves que a humanidade enfrenta presentemente, incitar os Estados a obrigar toda a pessoa pública ou privada a assumir a responsabilidade dos efeitos dos seus actos ou da não actuação e quando esta responsabilidade não é da competência do Estado, fazer com que esta possa depender de uma jurisdição internacional.

Medida 6: tratando-se do aquecimento planetário e da desestabilização climática, esta responsabilidade implica a obrigação para os Estados de por em acção medidas fortes para reduzir as emissões de gazes com efeito de estufa, sem esperar a entrada em vigor e aplicação efectiva  do Protocolo de Kyoto.

Medida 7: no que se refere á Europa, reforçar o programa REACH (Registration, Evaluation and Autorisation of Chemicals-Registo, Avaliação e Autorização de Químicos) de regulamentação da colocação no mercado dos produtos químicos, de forma a assegurar, por exemplo, a substituição dos mais perigosos para o homem, por alternativas menos perigosas, e no que se refere ao mundo, adoptar uma regulamentação internacional de regulação da colocação no mercado,  de produtos químicos com base no modelo do Programa REACH,  numa versão reforçada.